FECP – Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais

A Inconstitucionalidade da Exigência do FECP sobre Energia Elétrica no Estado do Rio de Janeiro Após a Lei Complementar nº 194/2022 Resumo:

O presente artigo analisa a controvérsia jurídica acerca da cobrança do Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP) incidente sobre as faturas de energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro, especialmente após a promulgação da Lei Complementar Federal nº 194/2022. Argumenta-se pela inconstitucionalidade e ilegalidade da manutenção desta exação sobre um bem reconhecidamente essencial, com base na nova legislação e na jurisprudência consolidada, explorando os fundamentos para a restituição dos valores indevidamente pagos pelos contribuintes.

Palavras-chave:

FECP; ICMS; Energia Elétrica; Essencialidade; Lei Complementar nº 194/2022; Rio de Janeiro; Inconstitucionalidade; Restituição de Indébito.

## Introdução

O Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP), instituído no âmbito do Estado do Rio de Janeiro pela Lei Estadual nº 4.056/2002 e atualmente regido pela Lei Complementar Estadual nº 210/2023, consiste em um adicional ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Sua finalidade precípua é financiar políticas públicas voltadas à mitigação da pobreza. Contudo, a incidência deste adicional sobre o consumo de energia elétrica tem sido objeto de intenso debate jurídico, potencializado pela superveniência da Lei Complementar Federal nº 194, de 23 de junho de 2022.

A referida norma federal, ao alterar a Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN) e a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), passou a classificar a energia elétrica, os combustíveis, o gás natural, as comunicações e o transporte coletivo como bens e serviços essenciais e indispensáveis, vedando sua equiparação a produtos supérfluos para fins de tributação. Diante desse novo panorama legislativo, a manutenção da cobrança do FECP sobre a energia elétrica no Rio de Janeiro, que historicamente adiciona um percentual significativo (em geral, 4%) à alíquota do ICMS sobre este serviço, levanta sérios questionamentos quanto à sua legalidade e constitucionalidade.

Este artigo propõe-se a analisar os fundamentos jurídicos que sustentam a tese da impossibilidade de cobrança do FECP sobre a energia elétrica após a LC nº 194/2022, abordando a natureza do FECP, o conceito de essencialidade e suas implicações tributárias, bem como o posicionamento jurisprudencial sobre o tema, com foco no direito à restituição dos valores pagos indevidamente pelos contribuintes fluminenses.

## 1. Natureza Jurídica do FECP e o Princípio da Essencialidade

O FECP, embora vinculado ao ICMS, possui natureza de adicional de alíquota, cuja destinação é específica. A Constituição Federal, em seu artigo 82, §1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), autorizou os Estados e o Distrito Federal a instituírem o referido fundo, prevendo que o adicional do ICMS incidiria “sobre produtos e serviços supérfluos”.

A definição do que se considera “supérfluo” sempre foi um ponto de discórdia, gerando insegurança jurídica. A LC nº 194/2022 veio justamente para dirimir parte dessa controvérsia, ao estabelecer, de forma expressa no artigo 32-A da Lei Kandir, que “não podem ser tratados como supérfluos” os bens e serviços ali elencados, incluindo a energia elétrica.

A essencialidade de um bem ou serviço, para fins tributários, implica o reconhecimento de sua indispensabilidade para a garantia de uma vida digna e para o exercício de direitos fundamentais. Tributar bens essenciais com alíquotas elevadas ou com adicionais destinados a itens supérfluos contraria o princípio da capacidade contributiva e da seletividade em função da essencialidade, previstos implicitamente no sistema tributário nacional e, no caso do ICMS, explicitamente no art. 155, §2º, III, da CF/88.

## 2. A Lei Complementar nº 194/2022 e seus Impactos na Cobrança do FECP sobre Energia Elétrica no Rio de Janeiro

A Lei Complementar nº 194/2022, ao vedar que a energia elétrica seja tratada como supérflua, retirou o fundamento legal para a incidência do FECP sobre este serviço, uma vez que o adicional, por mandamento constitucional (art. 82, §1º, ADCT), só pode recair sobre produtos e serviços supérfluos.

Apesar da clareza da norma federal, o Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei Complementar Estadual nº 210/2023, que revogou a Lei nº 4.056/2002, manteve a previsão de incidência do FECP sobre a energia elétrica. Tal postura legislativa estadual, contudo, afigura-se incompatível com a hierarquia das normas, uma vez que a lei complementar federal estabelece normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, III, CF/88), às quais os Estados devem se submeter.

O Supremo Tribunal Federal, na ADI 7195, embora não tenha suspendido liminarmente os efeitos da LC 194/22, tem um histórico de reconhecimento da essencialidade de determinados bens e serviços para fins de modulação de alíquotas de ICMS, como no caso das telecomunicações (RE 714.139, Tema 745 da Repercussão Geral).

## 3. Posicionamento Jurisprudencial e o Direito à Restituição

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) tem proferido decisões favoráveis aos contribuintes, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do FECP sobre a energia elétrica após a vigência da LC nº 194/2022. Cita-se, a título exemplificativo, o entendimento exarado na Apelação Cível nº 0152438-47.2016.8.19.00XX, onde se consignou que “a partir da publicação da LC 194/22 (23/06/2022) não é mais possível fazer incidir o adicional do FECP sobre energia elétrica”.

Esse entendimento corrobora a tese de que a cobrança se tornou indevida a partir da nova definição legal de essencialidade. Consequentemente, surge para os contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) o direito à restituição dos valores pagos a maior, observando-se o prazo prescricional de cinco anos da data da entrada em vigor da lei (2022) para o ajuizamento da respectiva ação de repetição de indébito tributário, conforme previsto no artigo 168 do CTN.

A ação de repetição de indébito é o instrumento processual adequado para que os consumidores busquem o ressarcimento dos valores indevidamente recolhidos a título de FECP nas faturas de energia elétrica. É crucial que os contribuintes reúnam a documentação comprobatória dos pagamentos, como as faturas detalhadas dos últimos meses, limitada a 5 anos, ou a julho de 2022.

## 4. Desafios e Perspectivas

Apesar dos fundamentos jurídicos robustos e das decisões favoráveis, a questão ainda pode gerar discussões, especialmente quanto ao marco temporal para a cessação da cobrança e a modulação de efeitos de futuras decisões em instâncias superiores. A resistência dos Estados em abrir mão de receitas é um fator que prolonga o debate judicial.

Contudo, a clareza da LC nº 194/2022 e o crescente reconhecimento judicial da ilegalidade da cobrança do FECP sobre bens essenciais como a energia elétrica indicam um cenário favorável aos contribuintes que buscam a tutela de seus direitos, seja para cessar a cobrança prospectivamente, seja para reaver os valores pagos indevidamente no passado recente.

## Conclusão

A promulgação da Lei Complementar Federal nº 194/2022 representou um marco legislativo fundamental ao definir a energia elétrica como bem essencial, vedando sua equiparação a produto supérfluo para fins tributários. Tal definição impacta diretamente a legalidade da cobrança do FECP incidente sobre as faturas de energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro, cujo adicional, por determinação constitucional, deve recair apenas sobre itens supérfluos.

A manutenção da cobrança pelo Estado do Rio de Janeiro, mesmo após a vigência da norma federal, configura uma ilegalidade e inconstitucionalidade, abrindo aos contribuintes o direito à restituição dos valores pagos indevidamente desde 2022. A jurisprudência do TJ/RJ tem se mostrado receptiva a essa tese, fortalecendo a posição dos consumidores.

Recomenda-se, portanto, que os contribuintes fluminenses, assessorados por profissionais do direito especializados, busquem a via judicial para cessar a cobrança indevida e reaver os montantes pagos a maior, contribuindo para a justiça fiscal e o respeito à hierarquia normativa e aos princípios constitucionais tributários.

Referências Bibliográficas:

*   BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

*   BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir).

*   BRASIL. Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022.

*   BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

*   RIO DE JANEIRO (Estado). Lei Complementar Estadual nº 210, de 21 de julho de 2023.

*   RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 0152438-47.2016.8.19.0001. 13ª Câmara Cível. Relator: Des. Fernando Fernandy Fernandes. Julgado em 01/02/2023.

*   CONSULTOR JURÍDICO (Conjur). Opinião: Ilegalidade do FECP à luz da LC 194/22. Publicado em 01 de agosto de 2023. Disponível em: [Inserir URL do artigo do Conjur previamente pesquisado].

Por JULIO VERISSIMO BENVINDO DO NASCIMENTO/BENVINDO ADVOGADOS – Advogados especialistas em Direito Tributário.

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